terça-feira, 10 de agosto de 2010

Não obrigado, vou de ônibus mesmo.

Num destes congressos neo-pentecostais um pregador bastante conhecido propôs uma metáfora para falar de unidade na diversidade. Parafraseada fica mais ou menos assim: Como em um ônibus onde as diferentes histórias se cruzam em um mesmo destino é possível que pessoas diferentes possam caminhar juntas rumo a um objetivo comum.

Certamente o pregador daquela noite reproduziu bem um dos aspectos da igreja local. Um monte de opiniões diferentes, geradas por observadores obscurecidos pelo pecado, sentados no mesmo ônibus, guiados por um motorista exímio, rumo à redenção. Só a graça de Deus pode tornar esta aparente contradição um belíssimo paradoxo.

Tudo estaria mais ou menos acomodado se nestes últimos dias alguns irmãos não estivessem dando mais uma guinada antropocêntrica. Não bastasse a busca pelo dinheiro no evangelho da prosperidade e a infelicidade de alguns membros ao ouvirem mensagens sobre a volta de Cristo, ou conselhos que exortem à santidade, prega-se cada vez mais o quão desnecessário é ir à igreja, ou - torna-se necessário diferenciar - reunir-se em um templo. São dois problemas, um deles já se está acostumado o outro será só uma questão de tempo. Crentes eram, grosso modo,  históricos, pentecostais e neo-pentecostais , todos sempre se reuniram dominicalmente em templos há séculos, mas agora crentes também devem se reunir somente em casa, em nome do resgate da metodologia da igreja primitiva, negam uma boa parte da tradição da igreja.

Como se o mundo que jaz no maligno já não fosse mau o suficiente, agora a igreja local, por suas tantas distorções, sofre a crítica dos crentes "novos evangélicos"- nomenclatura exibida na capa da reconhecida autoridade eclesiástica revista Época. A idéia parece ótima, ao menos é o que qualquer homem natural concluirá. Esses irmãos não precisam da igreja local, não precisam de líderes, não precisam doar seu tempo, nem parte do seu dinheiro, muito menos daqueles que estão reunidos em seus "sacos de membros".

A bem da verdade, fica fácil concordar com o pensamento dos "novos evangélicos" quando pensamos nas megaestruturas dos Macedos, Terras-Novas, Soares, Silas, Valdemiros e todos os outros que disputam a audiência - ou gostariam de disputar. Mas e o "resto"? Todo o resto? A igreja brasileira não é somente a igreja da Tv, pelo amor de Deus! Ao contrário, a igreja brasileira também é composta por gente de verdade, que trabalha, come e ama. Parece que isto não tem sido levado seriamente em conta.

Mais uma vez os críticos da estrutura atual da igreja, deste ônibus pesado e lento, criam fórmulas exclusivistas em nome do amor. Guetos. Se no templo - igreja local, ou como queira chamar - que é uma instituição de portas abertas já se percebe com tanta facilidade que os grupos de afinidade excluem o diferente, como este entrará em tais igrejas nos lares? Possivelmente não entrará e está resolvido o problema! Quem abrirá sua casa ao mendigo, ao ex-presidiário, ao feio, ao chato, ao inadequado, ao mal educado, ao travesti, à lésbica, ao homossexual que desejam se encontrar com Jesus? Em teoria, ou entre amigos, tudo é muito fácil, puro e belo. Mas quem é que vai limpar o banheiro sujo?

Considerando a hipótese de um abrupto crescimento deste grupo de amigos e gente nova nestas casas, pois já não serão lares, será necessário investimento em louça, mobília, material de higiene pessoal e limpeza... Uma sala maior? Ar-condicionado? Aprovação dos vizinhos, pagamento da conta de luz, água... Mas se o grupo crescer mais ainda? Não surgirá também a necessidade de estar presente em mais funerais, mais visitas a hospitais, maior tempo para estudar e responder às questões da própria comunidade, sem contar os ataques de futuros "neo-novos evangélicos"? Talvez tudo isto faça com que o profissional que simplesmente "fala" aos domingos tenha que passar a pregar e para isso terá que se desdobrar em conseguir mais tempo para gerenciar todas as demandas. Se a coisa "der certo" chegará o dia em que o não-líder em comando terá que deixar total ou parcialmente suas atividades profissionais para cuidar da sua comunidade no lar e em vez do tradicional momento de dízimos e ofertas se ouvirá a frase: "Vamos rachar a despesa e sustentar o nosso amigo". Ora bolas, não é para isso que o dízimo e as ofertas servem? Não é assim que o "resto" usa o dinheiro?

Obs.: Sei que só estou considerando a hipótese pensando de maneira vertical e não em uma estrutura de rede social (que para mim ainda é um sonho bom), mas é só porque ainda não consegui visualizar uma rede social que não esteja subordinada a algo, ou alguém. Nem a Wikipédia e toda a sua interatividade parece conseguir isso. Por isso, e simplesmente pela minha falta de conhecimento e fé na prática das redes sociais, ainda não posso acreditar em outra hipótese.

O conselho dos "novos evangélicos" da revista época e tantos outros anteriores a estes parece ser: "Vá de táxi!" Isto é, ache a sua própria visão, construa um cristianismo que tenha mais a sua cara, ame mais do seu jeito, fique mais com seus amigos, construa relações que tenham mais a ver com a sua disposição em se relacionar, se vierem discutir eclesiologia com você, deixe-o falando sozinho e desça deste velho ônibus da igreja que se reúne em templos para os retrógrados e fundamentalistas. São Eles e Nós, "cada um na sua". A busca desenfreada pelo ego, pelo conforto, pelo amor exagerado à privacidade, pelas novidades, aliadas ao péssimo testemunho dos cristãos evangélicos têm levado, infelizmente, queridos irmãos a tocar a cigarra e descer do ônibus... Têm achado o caminho? O futuro dirá.

Em primeira pessoa, ainda gosto de cultos em uma "casa comunitária", alugada por todos e com um CNPJ, estatuto e confissão doutrinária. Amo os meus pastores e líderes como homens e mulheres de Deus e nunca espero deles nada que eu mesmo não possa esperar de mim, tanto no acerto quanto no erro. Amo um bom culto de domingo, com uma boa música, uma mensagem inspirada e as orações pelas necessidades dos irmãos. Amo até o momento de ofertas pois é neles que reconheço o quanto Deus tem sustentado o seu povo em meio a esse capitalismo sufocante. Amo estar em um culto cristão. É neles que me percebo como ser comunitário, como sou ainda desamoroso com quem não tenho muitas afinidades, como a igreja local ainda tem falhas e o quanto eu contribuo com estas falhas. É nos cultos que percebo a voz dos meus irmãos, o cheiro, o calor do abraço...  Por isso e muito mais sei que enquanto a nossa igreja local for a nossa casa, sentiremo-nos em casa e nos reuniremos em um lar.

Mesmo com pouca experiência, já tenho constatado que para longas viagens em estradas ainda desconhecidas é bem melhor andar de ônibus porque apesar de algum desconforto e o aperto serem desagradáveis, táxis não têm banheiro.

Quem não concorda, quando sair, dê a descarga.

6 comentários:

  1. muito bom mesmo... espero que a autora de "Feridos em Nome de Deus" leia isso algum dia

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  2. Gostei muito do post Wallacce.
    Tem uma turma com uma baita neurose de querer ficar "inventando a roda" a cada domingo... eles acham que a Igreja de Jesus começou ontem... na sala da casa deles!
    Tão triste quanto o tradicionalismo é a anti-tradição dos invencionistas de plantão.
    Ô raio de gente chata!
    Nesse caso, também vou de ônibus!

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  3. Wallace, esta é pegada.

    Quando li o texto da Época, depois da euforia, comecei a pensar, pensar e pensar. E claramente, ouvi as vozes de comunidades emergentes com uma ortodoxia minimalista ou a-ortodoxas, arreganhadas à pós-modernidade, mas sem uma proposta, ou com uma proposta teológica privatizada. James K.A. Smith está certo, a melhor forma de subverter a modernidade é ser pré-moderno, é erguer a Igreja de seus fundamentos, de uma boa tradição cristã.

    A Época não falou, por exemplo, da retomada da tradição reformada em alguns círculos, a afirmação da clássica fé protestante, sem desconsiderar o Missio Dei. O artigo não considerou o despertamento intelectual em alguns círculos teológicos, em que se pretende um engajamento político sem as pretensões do materialismo-histórico. O artigo não considerou, salvo os fragmentos de vozes reformadas na matéria, que há uma velha e renovada orientação teológica que afirma a soberania de Deus, sua graça comum despejada no mundo e a depravação dos homens.

    No artigo, todos parecem articulados. Cobeligerantes? Não! Pequenos movimentos, destinados a serem engolidos pelo relativismo cultural. Honestamente, no final, só sobrarão as comunidades simples, sem grandes pretensões, que sejam fervorosas, criativas, amorosas e enraizadas em sólida tradição teológica.

    Obrigado por seu texto!

    Soli Deo Gloria.

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  4. Também prefiro o ônibus. Funciona bem, apesar de todos os problemas e da aglomeração.

    Porém, não me sinto tentado a apontar o dedo para táxis e charretes. Na boa.

    Isso posto, ótimo texto.

    A grande questão nisso tudo é para onde se está apontando. Para Cristo e para o papel ativo e transformador que a igreja deve ter? Se sim, vai furar qualquer engarrafamento, seja o nosso querido e acolhedor ônibus ou qualquer outro meio de transporte.

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  5. Como um mero leitor que se enquadra no perfil de revistas semanais, o texto da "Época" soa como um alento, onde se vê que há cristãos reformados que ainda pensam a fé, este mérito deve ser dado a matéria, mas na abordagem do Pastor Wallacce evidencia-se o equívoco que sutilmente aparece no discurso preparado sob medida para a classe média brasileira, que vive como nunca se viveu uma explosão de consumo e que nunca precisou tanto de um discurso que amenize a culpa do esquecimento do necessitado e da auto-negação. A Igreja Emergente (os tais Novos Evangélicos) são a contradição do que existe de mais elementar no cristianismo: Amar ao próximo como a nós mesmos.

    Creio que nunca foi tão necessário um retorno à tradição como agora. "Orar e Trabalhar", a regra de São Bento, parece ser uma necessidade em dias de mergulho na escuridão do Capitalismo Tardio, mas jamais esquecendo que o próprio apóstolo Paulo fundou comunidades que se tornaram igrejas. Este é o processo, nada de grupos pequenos ad infinitum.

    Wallacce foi muito feliz em apontar que ao negar a reunião em templos, nega-se também a possibilidade do encontro com o necessitado. É este o Cristianismo conveniente que a matéria sutilmente apresenta. Por tudo isso, também continuo no ônibus, onde literalmente o contato com o outro nos transforma.
    Thiago Romeu

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