quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O Bisturi e a Lixa




Gosto de construir coisas. Gosto de vê-las funcionando, mas confesso que não tenho muita paciência para as etapas da construção. Isso quer dizer que a ansiedade de vê-las perfeitas, me impede de deixá-las perfeitas. A vontade de construir logo e ver pronto, me impedem de dar todo o acabamento necessário. Isso é uma verdadeira contradição. Não há ninguém me oprimindo, os prazos são os meus, não há obrigatoriedade de terminar, não tenho a quem culpar, não há justificativas, só posso encontrar a mim mesmo e minhas fraquezas, a ansiedade. O trabalho não fica como eu espero porque eu mesmo o boicoto.

Até alguns anos atrás isso não me incomodava, na verdade, sou tão assim que não sei ser de outra forma. Mas hoje, pensando em coisas maiores que móveis e casa, pensando em dramas vividos por amigos meus, pensando em cada irmão que espera ouvir um conselho da parte de Deus através da minha vida e pensando na minha própria vida, sei que é necessário mudar.

Lendo uma matéria sobre missionários médicos na África pensei em meu próprio ministério. O primeiro pensamento que me sobreveio foi: “Os missionários da África, médicos, curam as pessoas e elas saem de lá sorrindo”. Foi um sorriso de uma africana de uma revista antiga que me fez perceber a mim mesmo. Imaginei que se eu fosse médico na África, o meu ministério seria mais profícuo (adoro essa palavra). Na verdade, diante de tantos problemas que são insolúveis para mim, sinto-me por vezes esgotado emocionalmente por não poder ajudar mais, por não ver gente saindo do meu gabinete sorrindo como aquela mulher. Ela tinha um grande tumor no maxilar inferior e depois do trabalho missionário ficou linda e sorridente.

Como seria mais fácil ser médico, e restaurar sorrisos, como seria mais fácil ser um marceneiro genial e construir de uma vez esse armário! Percebo-me, nas orações e meditações bíblicas, tentando comprar um bisturi que possa extrair a tristeza do coração de alguns, se possível sob o efeito de anestesia, para que quando acordem estejam lindos e sorridentes. Quem sabe ouvir a expressão: "Jesus é maravilhoso, me curou e eu nem senti nada". Mas o meu trabalho é outro, preciso aprender a dar acabamento, preciso aprender a lixar, da mais grossa à mais fina, preciso melhorar.

...

Este texto foi escrito há um ano, relido, um pouquinho modificado. É bom perceber que neste curto período, aprendi um pouco mais. Já não sou “tão assim” quanto era. Estou menos ansioso, mais atento ao processo do que ao resultado. Até consigo perceber que só Deus é capaz de usar um bisturi; o usa o tempo todo. Hoje a certeza do “sorriso da africana” em todos nós é tão maior... Passei até a apreciar o barulho da lixa, os calos nas mãos, o tempo necessário para finalização. Como é bom perceber nesta releitura que era eu quem mais precisava de uma intervenção cirúrgica.

Com um bisturi tirou o meu tumor e com uma lixa tem me ensinado a sorrir. Que coisa boa! Muito obrigado Senhor.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Sun o quê?!

Sun Tzu. Daqui a pouco explico.

Eugene Peterson disse uma vez que um pastor passa por várias fases em seu ministério, segundo seus argumentos e na minha percepção eu estou na fase da indignação. Um dia pode chegar a fase da condescendência. Hoje esta idéia ainda me parece hedionda. Não quero parar de pensar que estamos aqui, pastores, líderes, diáconos, obreiros, irmãos, mesmo neófitos, para viver este evangelho e não assisti-lo de uma TV de Led.

No que diz respeito à nossa maneira de pensar as coisas, não sei  se estamos nos tornando mais discípulos de Sun Tzu do que de Jesus de Nazaré. O primeiro traz os seus inimigos para mais perto a fim de derrotá-los sem lutar, o segundo aprende a amá-los. Parecido, mas absolutamente distinto.

O meu pânico e confessa neurose acontecem porque, iludidos pela modernidade e tecnologia, talvez estejamos nos retroalimentando de estratégias relacionais complexas demais, visões eclesio-empresariais desumanas demais, certezas fideístas, ahistóricas, absolutas e beligerantes demais. Se a nossa verdade eclesial não superar o desamor deste mundo, se a nossa sinceridade com nossos companheiros de luta não superar as estratégias de auto-benefício, se os segredos não forem superados pela confissão e arrependimento, perderemos o propósito e sentido desta vida.

Velho Guerreiro



Espero que você não tenha entendido que era "Velho Barreiro". Estou fazendo uma homenagem, ao menos no título deste post, ao Chacrinha, ao Velho Guerreiro e não à cachaça. Trago-o à memória, não porque foi uma das grandes figuras da cultura pop daquele Brasil mais ingênuo. Não porque definiu paradigmas da televisão brasileira, mas por dois simples motivos: O primeiro tem a ver com aquela sensacional frase: Quem não se comunica, se trumbica. O segundo tem a ver com aquela buzina e fantasia de palhaço. Como é bom ver um palhaço lúcido.

Tenho passado por tantas coisas novas na minha vida que tenho a impressão que preciso de férias. Não consigo catalogá-las na mesma velocidade com que as vivo. Não tenho mais tempo para ficar pensando e me sinto, muitas vezes, dando mais vazão às minhas pulsões que às reflexões. Nessa hora eu sinto uma grande vontade de estender a cadeira da minha sala, convidar Deus para tomar um café comigo e pedir, "Pai, me ensina?" É nessa hora que paradoxalmente lembro-me do Chacrinha. (Já pensou o que é no seu momento de intimidade com Deus pensar numa figura estranha como o Chacrinha?) Pois é... Penso nele pelos dois mesmos motivos que citei anteriormente, só que aqui já os aplico à minha realidade.

O primeiro motivo. Estou assustado com o que tenho aprendido nos livros e na vida sobre as relações de poder. Infelizmente e em vários momentos vejo que não há tanta diferença entre homens naturais e irmãos piedosos no que diz respeito à política de suas instituições. Será a minha inquietude simples imaturidade e inexperiência? Espero que não. Acho que o Chacrinha também não achava. Até ele, o palhaço, acreditava na comunicação. No entanto nós, os sérios, passamos a amar segredos, especialmente se os guardamos de quem mais deveria que conhecê-los, sejam esposas, maridos, líderes, irmãos. Só não escondemos segredos de Deus porque aprendemos que isso é impossível, mas se pudéssemos... São segredos demais, talvez que porque desejamos poder demais! Não pode ser natural para nós que estejamos nos assemelhando aos homens naturais e suas organizações seculares. Não pode ser simples o fato de estarmos deixando a simplicidade de lado. Não pode ser falsa e cheia de segredos a nossa relação, seja com quem for.

O segundo motivo. Penso no Chacrinha porque ele tinha a consciência de que era palhaço. Tocava a sua buzina e perguntava: "Terezinha?". Todo o auditório respondia: "Úh-uh". Simples e eficiente jargão. Algumas vezes me sinto também um palhaço, mas diferente do Chacrinha porque não me acho um palhaço, nem engraçado sou, minhas piadas são péssimas. Sinto-me assim quando vejo pastores sendo confundidos com palhaços animadores de platéia.


Lamento se sou intransigente, mas recusarei acreditar que a Bíblia que carregamos na mão e no peito seja uma fantasia colorida com paetês e que a pregação da Palavra seja uma mera buzina que conclama o auditório a dizer amém. Apesar do que você vê na sua televisão, Igreja não é entretenimento e pastores não são palhaços. Seria ótimo chegar na Igreja da Gavião Peixoto, onde congrego e fazer todos darem risadas e se sentirem bem. Quem sabe eu citasse um versículo perguntando?  -"Vocês crêem?”- e respondendo cantariam, "Uh-uh", seguido de uma doce gargalhada. Seria ótimo ser um palhaço e divertir a todos, como o Chacrinha, porém pastores não são palhaços em nenhuma hipótese, nem quando são realmente enraçados. Em nenhuma igreja que realmente confesse o nome de Jesus como Senhor um pastor será um palhaço.

Quando um pastor se tornar um palhaço na mente de uma ovelha de Cristo, os seus conselhos serão somente mais uma voz na multidão das vozes deste mundo e isso deixará a ovelha perdida; suas horas gastas em oração e estudos bíblicos serão reduzidas a uma simples e pessoal opinião sobre Deus, o que deixará a ovelha desnutrida; sua dedicação e exemplo serão interpretados como mera manutenção de seu emprego, o que fará a ovelha perder de vista o seu aprisco, obviamente porque perdeu de vista a confiança de que Deus instituiu alguns homens e mulheres como pastores-mestres. Que ironia.  


Moral da história:

É melhor ser um ilusório palhaço, do que viver como um palhaço iludido.

Parabéns pela sinceridade Chacrinha.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Onde está o "Control+Z" ?




Sou cristão, creio muito no evangelho de Cristo, na Bíblia como nossa fonte única regra de fé e de prática, mas confesso que me desacostumei com este sentimento de perda total que sinto agora. Como já disse Bilbo Baggins: Estou me sentindo“fino, como se estivesse esticado ... como manteiga que foi espalhada num pedaço muito grande.” O fato é simples, fiz mal a quem quero bem e não tenho como voltar no tempo.

Sou hábil em arrumar desculpas para mim mesmo. A palavra desculpa tem mais de um significado, usarei dois deles e preciso me tornar claro. O primeiro faz de "desculpa" a habilidade de arrumar motivos, pretextos, subterfúgios que atenuem a minha culpa em uma ou outra situação. Dela é que falo agora. São várias, quando deixo de fazer algo que todos esperavam que eu fizesse uso as mais filosóficas, como por exemplo, "agimos de diferentes formas", "temos diferentes visões de mundo", "somos frutos da nossa cultura", e o pior é que às vezes sou tão bem sucedido comigo mesmo que perco a noção da ética cristã e engulo as minhas desculpas. Só pra gente não ficar pensando em que tipo de pecados este pastor pratica, me refiro aos maravilhosos bolinhos de camarão com Catupiry - doravante chamados B.C.C. - que evocam um desesperado desejo de comê-los em imensas quantidades. Minha televisão me ensinou a comer bem, o que eu gosto, logo, quando vejo o B.C.C. ... me dou desculpas. Assim como as desculpas filosóficas, há as altruístas. Uso-as de forma terrível quando permito que alguma tarefa da minha agenda não seja realizada dentro do planejado. Por exemplo, ao tirar um tempo para escrever no Blog, deixo de fazer alguma coisa, na verdade, muitas, me dou a desculpa de que talvez este texto possa falar ao coração de alguém. Este é o tipo de desculpa altruísta que mais me deixa confuso. Como saber quando sou realmente altruísta se sinto tanto prazer quando ajudo a alguém? Por aí vai... O que proponho, perdoem-me pela obviedade, é que se torna impossível existir uma noção equilibrada da realidade sem um coeso sistema de referências. Isto quer dizer que se a minha referência for o meu próprio nariz sempre estarei sem rumo porque onde quer que eu olhe, lá estará o meu nariz apontando. Estarei perdido porque tudo me será rumo. De maneira muito simples, uma bússula sem um pólo magnético é inoperante porque a bússula em si é um dos elementos do sistema de referências, o outro é o polo.

G.K. Chesterton diz que o único indivíduo capaz de estar plenamente convencido da percepção da verdade do mundo que o cerca é o louco. Sua verdade se torna tão absolutamente inquestionável porque ele está absolutamente convencido dela. O louco enxerga o mundo sozinho e não compara com nada que seja externo a si. Vive feliz ou triste, mas indubitavelmente correto. Neste sentido, ser normal é ter dúvidas, principalmente duvidando de si mesmo. Se as minhas desculpas passam a me convencer de forma inquestionável, posso estar com dois sérios problemas: Ou estou louco, na pior das hipóteses, ou estou alterando o meu sistema de referências para viver somente segundo a minha própria consciência, o que me leva de novo ao problema do nariz.  Convenhamos, se estamos cada vez mais autônomos, não se dê a desculpa de que está enlouquecendo, pode ser que estejamos nos tornando simples hipócritas.

Para não cansar demais a vocês, a Bíblia, pela ação do Espírito Santo é esse segundo elemento do nosso sistema de valores, comparações, referências. É externa a nós, é imutável - neste sentido melhor que o pólo magnético que se move - é escrita pelo Deus que assegura toda a existência, portanto, sabe muito bem como cuidar dela provendo os meios para que subsista. Estar diante da Escritura, portanto, é diferente de estar simplesmente meditando nos valores da vida, é estar lapidando as suas próprias percepções com as percepções de Deus ao seu respeito e ao mundo que nos cerca. Como fazer isso, é assunto para conversar pessoalmente com o seu pastor. Mas posso dizer que ler a Bíblia de maneira devocional é um grande começo, se é que há outro. Deixar-se convencer das verdades mais simples às mais complexas. Entender basicamente que somos pecadores que dependem de orientação divina para melhor viver esta vida.

Tudo isso pra dizer que eu errei feio ao me omitir diante de uma situação onde não havia espaço para erro. Minha culpa foi ter me omitido diante de amigos, não tão chegados, mas totalmente dignos do meu amor e filhos queridos do mesmo Deus que busco amar. Não errei por maldade, pensei, mas que diferença faz pra quem ficou ofendido? Errei porque fiquei estático diante dos meus problemas pessoais. Graças a Deus a nossa referência externa trata isso com muita clareza: Tiago 4:17  "Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado". Pequei contra meus amigos, gostaria até de me dar desculpas dizendo que foi contra a minha vontade, mas não estou fazendo curso de hipócrita e sim de cristão.

Disse que falaria também de outro significado da palavra desculpa e não me esqueci. Já que não consigo achar na minha vida a combinação de teclas que desfazem os erros, o tão famoso UNDO ou Ctrl+Z, só me resta me valer da palavra "desculpa" em seu sentido mais nobre, que é "perdão". Sei que não há volta, sei que há culpa, sei que as coisas não mudarão mais.

Se seguir neste momento a minha própria referência, somente o meu coração,  ficarei absolutamente convicto de que não mereço suas desculpas, e para não me tornar hipócrita, esperarei a insanidade me contaminar. Contudo, da mesma forma que a Bíblia me acusa, me traz a tão preciosa esperança de que o nosso vínculo em Cristo será maior que a minha transgressão, que o nosso amado Jesus, por ter nos perdoado terá total interesse em fechar essa ferida em vocês para que a minha também seque, que estaremos em breve esperando esta noite passar, com as lágrimas enxutas pelo Pai, para honrar o nome dele entre os homens, até que ele venha nos redimir.

À vocês.



terça-feira, 20 de outubro de 2009

Sem rabugice


Sei que estou um tempo sem escrever. Peço perdão àqueles que me têm cobrado e agradeço muitíssimo o carinho. Contudo, hoje só quero compartilhar uma música do Stênio Marcius que falou demais ao meu coração nessa manhã de terça-feira.







Calendário

Quando o dia da graça chegar
Ouça o barulho das pedras rolando
Pois as muralhas da alma em queda livre ruirão

Quando a vontade do Rei se mover
Olhe o vermelho brotando das rochas
Onde era pedra um coração de carne nascerá

Quando num calendário antigo
Chegar o dia e estiver marcado ali
Há muito tempo, escrito ali, teu nome
Então, essa rainha altiva
Tua vontade, comovida de joelhos,
Ouvirá a voz de seu real Senhor

Quando o tempo das flores chegar
A primavera batendo em teu peito
Veja o deserto brotando
Em verde, em vida, em fruto, em flor

---

Queridos amigos, às vezes a única coisa que consola o coração de um pastor novato é a certeza de que, no tempo certo, Deus derrubará todas as muralhas da vontade humana para que o Seu nome seja adorado.

Pai, obrigado por me lembrar que o maior interessado nesta obra não sou eu, mas o Senhor.
Soli Deo Gloria

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ô Mania...

Desde que comecei neste negócio de Blog, há uma semana, comecei a me interessar por ler gente de todo o tipo. Gente que não é brilhante e nem liga muito para isso, gente que é brilhante e não se dá conta disso. Gente que é famosa e merece, e impressionantemente, gente que acha que é famosa pelo que pensa, mas não se dá conta do próprio ridículo. Resta saber em qual dessas "gentes" eu vou me enquadrar... Não me responda por enquanto, ainda não estou pronto para saber. Neste post quero falar só do conteúdo bom, mas como sou um chato de galochas, critico a parte que julgo ruim e vocês verão como cairei na minha própria armadilha em minutos. Mesmo pouco experiente em blogs, estou começando a ficar cansado de um discurso que está totalmente na moda. "Temos que fazer alguma coisa". Mas é em tudo, violência, política, culinária e como não poderia ser diferente a igreja evangélica brasileira. Sobre este eu queria pensar um pouco.

O assunto me causa desconforto porque ora o admiro, ora me traz desconfiança. Ele se apresenta sob diferentes bandeiras: "Temos que fazer alguma coisa pela igreja brasileira e precisamos começar". Ou ainda, "a teologia da prosperidade está banalizando o evangelho da graça e precisamos pregar contra isso". Mais uma? "Somos responsáveis pela próxima geração e não estamos fazendo nada". Só mais  uma - essa me irrita: "As igrejas não estão interessadas em pregar o evangelho do Reino, estamos sós". Quem me conhece sabe que eu já caí na minha armadilha. Prego um monte destas coisas. Escrevi sobre isso no post anterior a este. Creio, em parte, nestas afirmações. Fico indignado como tantos outros irmãos em suas fundamentadas denúncias. Contudo, observo que há alguma coisa errada, ou na minha percepção ou no discurso. Peço que você me ensine. Meu raciocício é simples. Como é possível que irmãos que têm tamanha capacidade de analisar a igreja brasileira permitam que as suas próprias igrejas caiam nos mesmos erros denunciados? E se não caem, porque sabem o que fazer, não é a Igreja brasileira que erra de maneira geral, mas algumas igrejas no Brasil. Isso, pra mim muda tudo.

Desbafando, mesmo, com toda a sinceridade, o meu grande medo é que nós que amamos a verdade reformada, patrística e bíblica, estejamos tornando o nosso discurso tão puro, tão grandioso, tão perfeito que venha a se tornar infantil, megalômano e desumano. E que por causa dele sejamos condenados à frustração. Parece-me, quando leio alguns Blogs, que estamos ficando obcecados pelo tema "reforma" sem notar que a Reforma aconteceu num processo de erros e acertos, ao longo de séculos. Temo que pelo ideal que o discurso evoca e falando tanto sobre ele, corramos o risco de desvalorizar o simples; o pedaço de madeira da madeira nas mão do menino que vai sendo lentamente trabalhado até chegar ao seu fim.

Se estou pensando errado me corrijam, porém se pareço acomodado porque não estou em pânico com a situação da igreja, não me entendam mal. Eu creio como aprendi: "A Igreja tem dono!" - prof. Leclerc. Neste sentido, minha lógica é simples: Se o Senhor, Soberano, ama a sua Igreja, se nós temos os seus mandamentos e os guardamos, se ao menos os sete mil que não dobraram o seu joelho ao deus deste século entregam diária e sinceramente a sua vida por Jesus, a igreja é o que é e não o que deveria ser. É expressão do Reino, santa e imaculada em Cristo, mas ainda não foi glorificada, o já e o ainda não. Portanto, sempre teremos coisas a reparar, além, é claro, do joio no meio do trigo e dos lobos em peles de ovelhas, mas este assunto não se destina a eles.

Se você for atento e compassivo, poderá acreditar que também abomino o discurso do comodismo, porém desprezo ainda mais o discurso do discurso. Este nos dá a tola sensação de que a simples retórica é a ação, quando a retórica precisa gerar uma ação para que não caiamos no problema enfatizado por Tiago representado pelo binômio fé-obras.

Talvez eu pense pequeno, mas entendo que mesmo sem grandes triunfos, visíveis e externos, nós que somos parte da igreja brasileira, que amamos as Boas Novas, deveríamos lembrar com mais frequência que a Igreja é guiada pelo Espírito Santo e que podemos continuar confiando nele. Como ação prática, real e possível, precisamos continuar esculpindo nossos pequenos pedaços de madeira - nossas vidas - com grande empenho e dependência. Com a diversidade de dons e ministérios é que o Senhor nos permite entalhar, lixar, montar e machucar as mãos e isto já está ao nosso alcance, não é um devir.

Que estas tantas palavras que escrevemos sejam frutos de mãos feridas pelo trabalho e não de ociosos críticos em busca de uma ridícula e momentânea fama. Que ensinem a Verdade, como professores de verdade, gente que ensina com a vida, gente que aprende em lágrimas. Graças a Deus porque há muita gente trabalhando duro. Graças a Deus porque são muitos os testemunhos de pessoas que têm se rendido ao Senhor Jesus pela pregação do seu evangelho e isso vem acontecendo ao longo dos séculos, sem exceção. Graças a Deus também porque a igreja é do Senhor Jesus para sempre e que não estamos mais interessados nela do que ele próprio.

Um pouco ansioso, me pergunto se um discurso positivo, que apresenta soluções modestas, mais possíveis do que "precisamos repensar a igreja", conseguiria preencher páginas e páginas de tantos e variados blogs. Meu medo é de que a nossa capacidade de criticar a igreja brasileira nasça em um berço menos nobre do que o do amor ao evangelho, mas de uma incapacidade de assumir as consequências que ele traz: Não cessaremos de sofrer, não ficaremos todos ricos, não seremos curados de todas as enfermidades, não seremos os donos do mundo etc. Realidades muito diferentes das que os milagreiros e ricos do evangelho da prosperidade anunciam em suas igrejas lotadas. Xi, tô criticando de novo, ô mania.

Mas este é só mais um Blog. É só pra pensar em público. Por enquanto, como diz o João Alexandre:

Quero cantar o que vivo
Quero viver o que canto
Seja o meu riso, o meu pranto
Viver e cantar.


Deus nos abençoe.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Panis et circenses II




Até quando você vai levando (pregada! pregada!)?
Até quando vai ficar sem fazer nada?

Ah Gabriel, fico com inveja. Primeiro porque você não precisa de Blog para pensar em público e segundo porque não precisa trocar a palavra "porrada" por "pregada". A quem me lê, estou pensando em público e talvez o cheiro não seja bom mesmo. Lembro que é só parar de ler por aqui.

Gostaria de dizer que nós, evangélicos, não somos arautos, não conhecemos a verdade, não sabemos quem somos e nem para onde vamos... gostaria, mas não posso. Seria uma verdadeira incoerência com o nosso próprio sistema de crenças, pois somos tudo isso. Conhecemos o Jesus encarnado, o logos que se fez carne, isso nos dá identidade e nos remete à eternidade com o Deus criador de todas as coisas. Mas é, por tantas vezes, o Gabriel, que ainda nem entende que o sofrimento de Jesus é vitória para os cristãos, quem grita contra o pão e circo e não nós. Sim, é verdade que eu só estou mostrando um lado da moeda, estou exagerando propositalmente, generalizando e cometendo injustiças escancaradamente. Poderia falar de pelo menos dois homens que admiro pela coragem, um eu conheço mais e outro menos, respectivamente, Aramis Brito e Ariovaldo Ramos. Os caras são mais brabos que o Gabriel porque além de cantarem as canções que Jesus cantava e ninguém quer ouvir, estão nas ruas. No entanto, estou rabugento e  não estou falando bem de ninguém. Portanto, peço permissão, só por hoje e mais uns dias (?), para continuar a minha lamúria utilizando a música, ora literalmente, ora como uma metáfora para igreja visível. Contudo, preciso ressaltar com admiração que eles são apenas alguns dos "caras", e têm seus próprios blogs - certamente mais relevantes que este.

Eu não tenho a intenção de corrigir o mundo, mas tocar na vida de quem, assim como eu, quer pensar publicamente. Quem sabe nos corrigimos mutuamente? Outro dia ouvi um absurdo que bem demonstra a crise em que me encontro. Ao sentar na costumeira cadeira do "Salão Nova Era", onde não "faço a cabeça", mas corto o cabelo desde o tempo em que essa expressão causava medo aos crentes, um cliente cristão evangélico discutindo com um pseudo-marxista bradou: "Eu não sou protestante, sou evangélico". O marxista sorriu e eu tossi. O irmão, além de não conhecer a sua própria história, simplesmente não deve ter ouvido a música do Gabriel em sua versão sacra escrita por Martinho Lutero em 1517, escrita em 95 teses. Lutero entendeu que a Igreja esquecera o seu papel fundamental, conduzir a Cristo. Se a atitude daquele irmão, cliente do Nova Era, foi passional e ignorante por vários motivos, a minha foi tossir. Não fiz nada, o pior, não sei até agora se deveria fazer algo. Se soubesse, teria acertado ou errado, mas reagi com tosse e isso é  coisa de cachorro, gato, mas não de gente. Talvez, a culpa não seja dele, do irmão, afinal a política de pão e circo na igreja o tem ensinado a só escutar música evangélica. Mas eu estou criticando a música da igreja, Pão e Circo e quando eu preciso me posicionar por tantas vezes... Cof..Cof...

A música evangélica dos anos 70 era ótima. Escuto-a até hoje com saudades das minhas primeiras experiências com Deus e a sua Igreja. A dos 80 começou bem, mas depois do advento das rádios evangélicas, começou a se moldar às demandas do mercado. Ué, não deveriam ser as demandas do Espírito  Santo? Claro que não, afinal queriam dinheiro em suas melodias de prosperidade. De onde percebo, o ícone do humilde cantor que cantava a cruz e sua banda com instrumentos nacionais, foi substituído, de uma só vez,  por um "cabra" com calça de couro, carrão e gritando à multidão palavras ególatras. Lembrem-se que estou generalizando. Houve também uma minoria de bons movimentos evangélicos. Contudo, acho que muitos destes estavam tão preocupados em edificar a sua própria fé, num gesto caricato da clausura monástica, que se esqueceram do lema beneditino "ore et labore" - Ore e trabalhe. Qualquer canção cristã deve ser vivida com o próximo.

Agora, falando mesmo de música na igreja - sem metáforas - e pulando os anos 90, que foi quando decidi não escutar mais rádios evangélilcas, assisto impressionado à nossa década atual. Meu Deus, eu era um músico "meia-bomba", tocava de ouvido, mas dava para até para tocar na igreja. Hoje, no entanto, a sofisticação e a técnica me fazem questionar até mesmo se já fui músico um dia. Minha expressão em relação a este último detalhe é: Glória a Deus, de quem procede a música. Sinceramente, acho ótimo que estejamos protestando contra a mediocridade musical tocando melhor. Contudo e ao mesmo tempo, temo que esse "pop-pseudo-rock-argh!-gospel-australiano ou não-de letras chinfrins", esteja propondo mais forma do que conteúdo. Melodias maravilhosas, harmonias sensacionais, solistas fantásticos, mas permeadas de letras pobres e verdades pasteurizadas - quando são verdades. Um pastel sem recheio - estou ficando com fome. Promessas que nunca se cumprirão, ventos que nunca chegarão, paixões sem sentido, enchem de sonhos o ego pecaminoso que quer sempre mais. Um estranho evangelho lindamente cantado, sem cruz, sem o próximo, sem vida eterna.

Resolvi começar a protestar pela música, mas este não é todo o meu protesto. Nem consigo organizar em pequenos textos o meu protesto. Quem sabe em um ano de pequenos textos? Sou contra esta política de pão e circo importada dos romanos, exercida pelos governos, vergonhosamente vendida nas igrejas. Resolvi protestar, ainda que covardemente, num Blog. Quem sabe um dia, tomo coragem para pegar um azorrague e desestabilizar o sistema de comércio do templo sob a bandeira: "Jesus, macho pra caramba".
 
 É estranho perceber o paralelo entre Romanos 12 e a música do Gabriel. Ou melhor, é estranho achar estranho, porque me dá a impressão que Deus só é Deus de crentes. O Senhor de toda terra está falando através do Pensador, ainda que em partes. Leia e conclua.

"Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente"..."
Rom 12.2

"Muda que quando você muda o mundo muda com a gente,
A gente muda o mundo com a mudança da mente". Gabriel Pensador.

O que o Pensador não pensou, porque ainda é homem natural é que renovamos a nossa mente para experimentar a boa, perfeita e agradável vontade de Deus.

Vai tossir ou vai fazer alguma coisa?

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Panis et circenses

 
"Bebida é água, comida é pasto. Você precisa de quê? Você tem fome de quê?"Os Titãs entenderam a necessidade daquilo que podemos chamar de qualidade de vida. "A gente quer comida, diversão e arte"... No entanto, antes deles um grupo que poucos se lembram, os Mutantes, mesmo nos tempos da ditadura, já denunciavam a perversa política do pão e circo. Era como se o governo dissesse: Se há comida, se há bebida, se há diversão, pra que se preocupar com o resto? Ultrapassando os Titãs na preocupação com a humanidade nossos irmãos brasileiros dos idos de 60, denunciavam em prosa e verso a malícia do governo militar em conduzir o povo como gado. O povo tinha comida ruim e diversão ruim, e ainda era proibido pensar. Quem pensou, foi calado, preso, morto, sumiu, ou foi esperto ao ponto de compor e lutar de maneira ofensiva e inteligente. Como estamos usando a música para expressar a consciência daquela geração e "pra não dizer que não falei das flores", cito alguns dos arautos, Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano, Belchior e até Roberto Carlos.

Seria ótimo que este texto pudesse ressaltar os legados que os bravos deixaram para a próxima geração, mas não foi isso o que aconteceu. Nasceu a Geração Coca-Cola, feliz e sem identidade. Gerou em seu seio "ícones amorfos" como o grande cantor e deprimido Renato Russo e o não menor famigerado Cazuza, com suas vagas ideologias. Não quero ser injusto, sou dessa geração, mas olha como está o mundo que nós estamos fazendo? Lembro de como cantava: "Vamos fazer nosso dever de casa e aí então vocês vão ver suas crianças derrubando reis, fazer comédia no cinema com as suas leis". Quem dera Renato Russo fosse um profeta... Pensávamos que lutaríamos contra o sistema, mas depois vimos que o sistema era confortável, tinha pão e circo. Instalamo-nos covardemente aos pés daqueles que nos sequestravam a humanidade numa espécie hedionda de Síndrome de Stocolmo.

É triste pensar que a geração 80 buscou com tanta avidez o pão e circo, ao contrário de seus pais. Paradoxalmente, burgueses e favelados, policiais e marginais, religiosos e ateus, sem distinção, desejaram no mesmo rebanho o glamour das novelas das Globo em suas próprias vidas, fizeram de Holywood suas próprias religiões; fúteis como comédias românticas, violentas como tantos "Silvesters Schwarzeneggers", idiotas e maniqueístas como Steven Seagal. O prazer e o conforto dos anos oitenta não forneceu anticorpos para mediocridade e estupidez reinantes nos dias atuais, pelo contrário, nos envenou. O povo brasileiro do fim do século XX tornou-se incapaz de criticar o vazio de suas políticas sociais e entregues a uma espécie de epicurismo sem cultura inauguramos dentro de nós a já conhecida pós-modernidade. Como gostaria de terminar este parágrafo dizendo que a igreja agiu diferente... Fiquei amargo.

Depois continuo.

Primeiro Post

Despotēs. É a transcrição da palavra que intitula o Blog. Está em grego. Uma boa tradução dela para a nossa generosa língua portuguesa é "Soberano" e não déspota, como parecia óbvio.

Soberanos e Dépostas têm muitos atributos em comum. Exercem, segundo o Houaiss, "sem restrição nem neutralização, poder ou autoridade suprema". O interessante é descobrir que a palavra grega mencionada é extraída do Novo Testamento para se referir a Deus, o soberano, dépostēs. Seria Deus um déspota? Um tirano que exerce poder absoluto, sem a possibilidade de um poder que o suplante, ou o nosso conceito de soberania já não mais contempla a realidade bíblica e "despótica" de que Deus exerce poder absoluto?

Quero começar este Blog já há algum tempo. Ainda que tenha alguma consciência de que estou na fase de aprendizado. Porém, como em um ensaio, quero começar dizendo aquilo que mais mudou a minha consciência do evangelho de Cristo: Deus é soberano e nada, nem ninguém, pode frustrar os seus bons, perfeitos e agradáveis planos eternos. Nem o homem.

Sendo assim, começo do começo. Tendo em mente uma única intenção, pensar em Deus publicamente, sem tabus e preconceitos, de maneira inteligível para os que compartilham do mesmo pressuposto: Deus existe, é pessoal, encarnou, morreu pelos seus filhos e os redimirá para sua própria Glória. É baseado nesta fé que pretendo pensar com os amigos que desejarem caminhar comigo neste silencioso projeto.

Que o Senhor - Déspotēs - possa, segundo a sua soberania, me abençoar neste projeto abençoando a sua vida.